Artigo de Aleilton Fonseca: o sujeito neoliberal

Artigo de Aleilton Fonseca: o sujeito neoliberal

A hegemonia do sujeito neoliberal é o fenômeno em marcha, em alta escala, na sociedade ocidental. Para essa lógica, a democracia é o último empecilho a ser removido, subsumido ou dominado por dentro. Nunca o jogo democrático foi tão utilizado como meio de chegar ao poder, com pretensa legitimidade formal, com o objetivo de destruir garantias e estruturas democráticas, de modo a impor um modelo político ajustado ao neoliberalismo dominante na fase atual do capitalismo.

O sistema busca ajustar as pessoas, — que tateiam um norte na vida –, a essa lógica dominante. São diversos os minicursos e treinamentos oferecidos nas redes sociais, e são muitos os livros de autoajuda sobre temas semelhantes. Ou seja, há uma contínua educação informal para que os sujeitos se ajustem ao sistema. Daí o enorme sucesso de certos livros de autoajuda e dos minicursos e treinamentos online. Muita gente está em busca de se dar bem, ganhar dinheiro, vencer na vida, dentro dos esquemas disponíveis nesse mercado. Tudo isso está centrado no sucesso do indivíduo, na satisfação do ego a qualquer preço.

Creio que a raiz mestra desse egocentrismo social está no modelo de educação ministrado nas famílias e na escola, onde o indivíduo é levado a pensar e a centrar seu plano de vida em si, tendo os demais indivíduos como concorrentes na disputa por um lugar, um emprego, uma conta bancária, propriedades, acumulação de riqueza etc. Não se ensina a cooperar, criar riqueza coletiva, distribuir direitos. Ensina-se a explorar o trabalho alheio, a acumular riqueza individual. O sonho ou ilusão de cada um é ficar rico, ter algum milhão para chamar de seu. Assim, a educação, seja formal ou informal, constitui a base do sujeito neoliberal, disputante, egocêntrico, aquele que se quer “empreendedor” para si, levando vantagens na disputa com os outros. Não há, em geral, uma educação para se pensar no coletivo, na comunidade, no bem comum, na preservação sincera do meio ambiente, na distribuição social de bens naturais e na garantia de direitos coletivos. Isso é uma luta renhida contra o sistema e a má consciência de seus beneficiários. A escola tradicional ensina que a vida é disputa, é guerra, é cada um por si, e que as ações devem objetivar resultados e benefícios individuais ou de pequenos grupos de interesses. Daí a valorização do capacitismo e da famigerada meritocracia.

A escola ocidental traz, embutida na sua concepção mais profunda, a educação com base em três fundamentos: deus (sujeição ao poder maior), pátria (patrimônio, domínio), família (grupo de poder para si mesmo).

Dessa maneira, a sociedade ocidental de hoje caminha para um decalque macaqueado da ideologia medieval – TFP – tradição (sociedade estática), família (brasões de poder), propriedade (domínio e uso dos recursos naturais por grupos hegemônicos de poder). Para as massas sem fortuna, destina-se a servidão consentida e conformada. A maior parte da massa de hoje aceita isso e vota para manter e ampliar a sua servidão e revogar direitos históricos penosamente conquistados. São os novos servos da gleba, no campo rural e, também e sobretudo, no campo urbano.

No passado, o surgimento das cidades marca o início da derrocada do feudalismo. Alguns séculos depois, tendo o mercantilismo colonizador como modo de transição para o capitalismo, os antigos senhores da gleba são também os senhores da gleba urbana. Conseguiram feudalizar as cidades, com a vassalagem do trabalho e do consumo, utilizando as populações como engrenagem de um novo sistema de produção de riqueza pessoal.

Objetivamente, o mundo do trabalho atual é um misto de vassalagem/escravidão, regulado de modo a parecer um sistema livre, mas que é, na verdade, um esquema perverso de apropriação da força de trabalho na execução de tarefas, e de imposição de um consumismo vazio, e de exploração de serviços básicos. Esse esquema é naturalizado, aceito e imposto às populações em geral. O estado contemporâneo foi e é organizado para garantir isso, na forma da lei e da administração. E com isso lucra e se mantém com os impostos pesados sobre os parcos salários e ganhos das massas. É esse o grande esquema. Para os trabalhadores é isso aí ou a fome, a penúria, a exclusão, a morte. O sistema nos anestesia diariamente com sua lógica e seus disfarces, a nos consolar: “aceitem que dói menos”. Aquele que ficar politicamente à esquerda desse esquema, e lutar contra essa estrutura, é estigmatizado como alguém a convencer, derrotar, expurgar ou mesmo prender ou assassinar.

Vivemos às portas de uma nova era medieval, política e tecnologicamente estruturada. O controle é feito à distância, através de botões, algoritmos, fake news e aplicativos.

Na era medieval, o controle se dava pela espada, a fé e a servidão. Lá as cidades tinham muros e portões. Agora países tem/terão muros e portões. O sistema tem muros e portões. Quem está dentro e quem está fora? Eis a questão.

Por
Aleilton Santana da Fonseca
Poeta, ficcionista, ensaísta, e professor universitário

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